terça-feira, 25 de outubro de 2016

PROPOSTA PEDAGÓGICA

Por Bárbara Pessoa

“Porque o homem está na realidade como o enamorado na paixão: vive seus fragmentos, não pode escrever seu próprio romance. A adesão voluntária ao pathos da personagem, a sintonia amorosa com suas palavras e ações, o compartilhar atento desse trajeto ridículo ou perigoso é o espaço do drama: seu jogo e segredo milenar, um presente de gregos que nos põe diante não de uma resposta, mas de uma máscara, uma esfinge de decifração infinita, uma análise interminável.” Cleise Mendes         





APRESENTAÇÃO
A origem do texto dramático do modo como o conhecemos remete à antiguidade e os elementos que o compõem tem sido tema de estudo desde essa época. Muitas teorias foram desenvolvidas com o propósito de se chegar à essência mesma da obra dramática, ou seja, de se determinar quais partes seriam fundamentais à sua constituição. Além disso, muitos estudiosos do drama também buscaram, ao longo da história, investigar qual seria o modo específico do texto dramático de agir sobre os seus leitores. É a este último tipo de análise que a proposta pedagógica aqui apresentada se alinha, trazendo o olhar para o contexto escolar, mais especificamente para como o uso sistematizado do texto dramático pode contribuir para o desenvolvimento de um olhar crítico e reflexivo do estudante do ensino básico sobre si e sobre o contexto no qual está inserido.
Muitos documentos foram redigidos, a partir da aprovação da Nova Lei de Diretrizes e Bases (lei nº 9.394/96), com o intuito de afirmar a necessidade de se ter no século XXI uma educação criativa, libertária e que dê autonomia aos educandos no processo de aprendizagem. O conhecimento escolar deve partir da contextualização para ganhar significado, dando prioridade à formação ética, ao desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico a fim de tirar o estudante de uma atitude passiva diante da produção de conhecimento[1].
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), o estudante desde o ensino fundamental deve aprender a se posicionar de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando as diferentes linguagens (verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal) como meios para produzir, expressar e comunicar suas ideias. Nesse sentido, o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o ser humano tem acesso à informação e pode defender pontos de vista. O aprendizado da linguagem a partir da diversidade de textos que circulam socialmente favorece que o uso da mesma se dê de maneira adequada pelo indivíduo que exerce sua cidadania.
No que se refere especificamente ao texto dramático, muitos são os autores que tratam do modo singular como este impacta seu leitor. A prof. Catarina Sant'anna, por exemplo, em seu artigo O texto teatral para o Centro de Pesquisa e Estudo do Teatro Infantil – CEPETIN, defende que o texto para teatro possui diversas peculiaridades em seu modo de construção que o tornam altamente estimulantes à capacitação de um leitor eficiente, além de possuir uma qualidade de comunicação que por si só já justificaria sua presença nas salas de aula do ensino básico. Já Cleise Mendes, quando aborda o conceito de catarse em As estratégias do drama, argumenta que no drama, mais que em outras expressões literárias, não se vê a linguagem em si, mas o agente que a produz (a personagem) e este fato justifica a dificuldade de encarar o drama como texto, como indicações cênicas, como notações teatrais. Segundo a autora, são essas estratégias, próprias do drama, de máxima elisão do autor, capazes de intrigar a percepção de um mundo fictício construído pela linguagem, que tornam o drama uma forma artística extremamente envolvente e persuasiva.
Muitas são as experiências ao longo da história em que o drama esteve associado ao ensino. O Padre José Anchieta, por exemplo, serviu-se de diversas estratégias em seus textos para utilizá-los em favor da catequese e da sua missão de “educar” os indígenas e os filhos dos colonos. Era comum que os textos desse padre, através do diálogo entre suas personagens, abordassem temas relacionados à moral e ao meio de alcançá-la.
Ademais, sabe-se que a lógica dramática que é mecanicamente reproduzida nos veículos de comunicação de massa, muito embora possa diferir consideravelmente em virtude de suas técnicas, também é fundamentalmente drama, obedecendo aos mesmos princípios da psicologia da percepção e da compreensão das quais se originam todas as técnicas da comunicação dramática. Para Martim Esslin, em Uma anatomia do drama, através dos veículos de comunicação de massa, o drama transformou-se em um dos mais poderosos meios de comunicação entre os seres humanos. Passamos a viver cercados pela comunicação de massa em todos os países industrializados e, por isso, deveríamos ser capazes de compreender e analisar seu impacto sobre nós mesmos – e principalmente sobre nossos filhos. Se assim não for, corremos riscos consideráveis de sermos escravizados por formas insidiosas e manipulação subliminar de nossos conscientes.
Todas as considerações feitas acima sobre a estrutura dramática  revelam as imensas oportunidades criativas que esta propõe. O texto dramático apresenta peculiaridades que podem ser benéficas aos objetivos da educação contemporânea, seja pelo grau de interdisciplinaridade que pode atingir; seja pela capacidade de situar o leitor de modo mais assertivo, através do encontro de suas personagens, no contexto a que se refere, já que apresenta em seu enredo uma história que acontece no momento presente; seja pela habilidade em, imitando a ação por meio da linguagem, fazer com que a linguagem desapareça transformada em ação, chegando com isso a quase substituir a realidade aos olhos do leitor.
A proposta aqui apresentada parte da familiarização dos estudantes do ensino básico com os elementos basilares do texto dramático para o uso deste com finalidades educacionais. A leitura, a análise e a escrita de textos como instrumentos para os educandos ampliarem a visão sobre o mundo e sobre si.



[1]    A ideia de produção contraposta à de aquisição de conhecimento: a primeira colocando o estudante como sujeito e, a segunda, numa condição de passividade.



CONTEÚDO
Dramaturgia.


OBJETIVOS GERAIS
1)    Conhecer o texto dramático;
2)    Utilizar o texto dramático como instrumento para reflexão;
3)    Diferenciar, a partir da leitura, textos literários de textos não literários;
4)    Analisar texto dramático a partir de três elementos;
5)    Utilizar a forma textual dramática como instrumento para expressão, reflexão, produção de pensamento.


HABILIDADES
O método processual da proposta deve propiciar aos estudantes a aquisição de diferentes habilidades nas quatro etapas apontadas. Os educandos devem, ao final do estudo, ser capazes de diferenciar textos literários de não literários, identificar e ler textos dramáticos, analisar textos dramáticos a partir de três elementos (personagem, ação dramática e conflito), criar textos utilizando a forma dramática.


ETAPAS
I)              Introdução ao texto dramático
Os índices brasileiros de repetência nas séries iniciais estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever. Não por acaso, a alfabetização tem sido há alguns anos um dos principais focos da educação básica. Se a dificuldade em ler, interpretar e escrever textos é crítica quando se trata daqueles que comumente são vistos nas aulas (textos narrativos), o problema se agrava quando se trata do texto dramático. Não existe uma prática satisfatória no que tange ao estudo do texto para teatro na realidade da escola pública brasileira. Isso se dá, principalmente, em função de um distanciamento por parte dos professores em relação à literatura dramática.
Se deseja-se que o texto dramático funcione como um instrumento para acesso ao mundo e suas questões, o primeiro passo deve ser apresentar ao estudante do ensino básico como é formado tal objeto e, para isso, faz-se necessário diferenciá-lo dos demais textos literários. Esta primeira etapa tem como objetivo: apresentar aos educandos o texto dramático, partindo da diferenciação entre textos literários e não literários.



AULA 1:
O que são textos literários? Nesta etapa, é importante que se trabalhe a ideia de intenção. Num texto literário, algo está sendo contado e isso envolve sentimentos, emoções, propósitos.


ATIVIDADES


1)    Leitura do professor da receita de um prato e da bula de um remédio conhecidos dos estudantes. Questões aos educandos: quais sentimentos, emoções, propósitos presentes na leitura?




2)    Escolha de um sentimento para que o professor refaça uma das leituras expressando-o. Por exemplo: ler a receita de um prato sentindo alegria. Questões aos estudantes: por que essa leitura se torna engraçada?

É comum que crianças e adolescentes (e por que não adultos?) não identifiquem como texto (algo escrito, produzido, pensado por um autor) muitas das expressões que lhes rodeiam. Um exemplo bem claro disso é quando questiono às minhas turmas de onde elas acreditam que vem a fala das personagens das novelas que assistem.  Começar o trabalho sobre textos literários a partir de  vídeos se mostrou um bom caminho para que os estudantes experimentassem o texto, primeiro, da maneira como usualmente experimentam, ou seja, vendo-o a partir do outro e, depois, tendo-o em suas próprias mãos.

3)    Exibição de três vídeos: uma contação de história, a declamação de um poema, uma cena. Questões aos estudantes ao final de cada vídeo: quem conta a história? Há expressão de algum sentimento, emoção? A história se passa com quem? O que acontece? Com esta atividade deve ficar claro as diferenças entre o narrador, o eu lírico e a personagem.

***
Exemplo de vídeos
Contação de história: “A árvore generosa” de Shel Silverstein contado por Fafá.



Quem conta a história é a narradora; a narradora expressa diferentes sentimentos quando conta: a alegria da árvore quando encontra o menino; a preocupação do menino quando deseja coisas que não tem etc.; a história acontece com a árvore e com o menino; o menino e a árvore são amigos, até que o menino vai crescendo e se afastando da árvore, pois deseja outras coisas e a árvore vai dando a ele tudo que pode...

Declamação de um poema: “Se todo mundo fosse cego” de Fábio Brazza.


Quem conta a história é Fábio; Fábio demonstra dúvida, esperança etc.; a história se passa com Fábio; Fábio conta que sonhou com um mundo onde todos eram cegos e as pessoas cuidavam mais umas das outras.


Cena: “O Rato” de Palavra Cantada.


Quem conta a história são as personagens (Rato, Rata, Lua, Nuvem, Brisa, Parede); o Rato sente esperança, às vezes decepção etc.; a história acontecem com as personagens; o Rato quer casar e declara seu amor à Lua, à Nuvem, à Brisa e à Parede que não podem casar com ele, até que ele conhece a Rata e se casa.




Recursos didáticos: televisão com entrada usb, pendrive com vídeos (ou dvd, a depender da necessidade / possibilidade).

Avaliação: ao final da aula, conversa com os alunos sobre os vídeos apresentados e suas impressões. É importante que os educandos diferenciem textos literários de textos não literários.

Duração: 100 minutos


AULA 2
Como se lê um texto literário? Este é o momento em que os estudantes irão tocar nos textos que viram, em aula anterior, nos vídeos!



ATIVIDADES
1) Distribuição dos mesmos textos da aula anterior entre os educandos (receita, bula, A árvore generosa, Se todo mundo fosse cego e O Rato). A distribuição será em grupos ou individualmente a depender da necessidade de cada texto que também poderá se repetir em grupos diferentes a depender de quantos estudantes tenham a turma.




2) Leitura dos textos entre si.


3) Aquecimento corporal / vocal.




4) Leitura dos textos para toda a turma seguindo mesma ordem da aula anterior: textos não literários e textos literários. Questões aos estudantes: o que muda na leitura de um texto literário e de um não literário? Estimular que os estudantes expressem os sentimentos, emoções, intenções adequadas à leitura que está sendo feita.








Recursos didáticos: textos - receita de um prato, bula de remédio, texto narrativo, texto lírico e texto dramático.

Avaliação: ao final da aula, conversa com os estudantes sobre as leituras e sentimentos que tiveram ao realizá-la (medo, vergonha etc.). Discutir sobre a diferença entre ler um texto não literário e ler um texto literário.

Duração: 50 minutos.


AULAS 3 e 4
Agora, vamos trabalhar diretamente com o texto literário. A partir da leitura, o estudante deve se tornar mais íntimo de seu objeto, por isso, é importante que esta etapa se repita quantas vezes seja necessário, para que a leitura seja cada vez mais fluida e o sentimento de vergonha cada vez menos presente.



ATIVIDADES
1)    Escolha dos estudantes livros da biblioteca (apenas textos literários) para serem lidos em grupos ou individualmente, a depender da necessidade do texto.
2)    Leitura entre si dos livros escolhidos.

3)    Aquecimento corporal / vocal.





      4) Leitura individual ou em grupo para restante da turma.






      5) Conversa sobre leituras e sugestões.

      6) Novas leituras.








Recursos didáticos: textos - narrativo, poema e dramático.

Avaliação: ao final da aula, conversa com os alunos sobre as leituras e sentimentos que tiveram ao realizá-la e se houve alguma mudança nesses sentimentos em relação à aula anterior (menos medo, menos vergonha etc.).


AULAS 5, 6, 7, 8
O trabalho agora é voltado diretamente para o texto dramático. Nesse momento, as dúvidas sobre as especificidades do drama aparecem: tem que ler o nome da personagem? O que é a rubrica? Deve ser lida também? A leitura da rubrica por um educando designado para isso, a depender do grau de aproximação entre a turma e o texto dramático, pode auxiliar o estudante que acaba por se tornar mais confiante quanto ao modo como deve ler. À medida que estes demonstram mais segurança, a leitura da rubrica pode ser suprimida.


ATIVIDADES
1)    Distribuição de uma cena para grupos.
2)    Leitura do texto em grupo.
3)    Aquecimento corporal / vocal.
4)    Leituras para toda a turma.
5)    Conversa sobre leituras e sugestões.
6) Novas leituras.




Recursos didáticos: texto dramático.

Avaliação: ao final da aula, conversa com os estudantes sobre as leituras e principalmente sobre a função da rubrica.