“Porque o homem está na realidade como o enamorado na paixão: vive seus fragmentos, não pode escrever seu próprio romance. A adesão voluntária ao pathos da personagem, a sintonia amorosa com suas palavras e ações, o compartilhar atento desse trajeto ridículo ou perigoso é o espaço do drama: seu jogo e segredo milenar, um presente de gregos que nos põe diante não de uma resposta, mas de uma máscara, uma esfinge de decifração infinita, uma análise interminável.” Cleise Mendes
APRESENTAÇÃO
A origem do texto dramático do modo como o conhecemos
remete à antiguidade e os elementos que o compõem tem sido tema de estudo desde
essa época. Muitas teorias foram desenvolvidas com o propósito de se chegar à
essência mesma da obra dramática, ou seja, de se determinar quais partes seriam
fundamentais à sua constituição. Além disso, muitos estudiosos do drama também
buscaram, ao longo da história, investigar qual seria o modo específico do
texto dramático de agir sobre os seus leitores. É a este último tipo de análise
que a proposta pedagógica aqui apresentada se alinha, trazendo o olhar para o
contexto escolar, mais especificamente para como o uso sistematizado do texto
dramático pode contribuir para o desenvolvimento de um olhar crítico e
reflexivo do estudante do ensino básico sobre si e sobre o contexto no qual
está inserido.
Muitos documentos foram redigidos, a partir da
aprovação da Nova Lei de Diretrizes e Bases (lei nº 9.394/96), com o intuito de
afirmar a necessidade de se ter no século XXI uma educação criativa, libertária
e que dê autonomia aos educandos no processo de aprendizagem. O conhecimento
escolar deve partir da contextualização para ganhar significado, dando
prioridade à formação ética, ao desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico a fim de tirar o estudante de uma atitude passiva diante da
produção de conhecimento[1].
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997), o estudante desde o ensino fundamental deve aprender a se posicionar de
maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais,
utilizando as diferentes linguagens (verbal, matemática, gráfica, plástica e
corporal) como meios para produzir, expressar e comunicar suas ideias. Nesse
sentido, o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação
social efetiva, pois é por meio dela que o ser humano tem acesso à informação e
pode defender pontos de vista. O aprendizado da linguagem a partir da
diversidade de textos que circulam socialmente favorece que o uso da mesma se
dê de maneira adequada pelo indivíduo que exerce sua cidadania.
No que se refere especificamente ao texto dramático,
muitos são os autores que tratam do modo singular como este impacta seu leitor.
A prof. Catarina Sant'anna, por exemplo, em seu artigo O texto teatral
para o Centro de Pesquisa e Estudo do Teatro Infantil – CEPETIN, defende que o
texto para teatro possui diversas peculiaridades em seu modo de construção que
o tornam altamente estimulantes à capacitação de um leitor eficiente, além de
possuir uma qualidade de comunicação que por si só já justificaria sua presença
nas salas de aula do ensino básico. Já Cleise Mendes, quando aborda o conceito
de catarse em As estratégias do drama, argumenta que no drama,
mais que em outras expressões literárias, não se vê a linguagem em si, mas o
agente que a produz (a personagem) e este fato justifica a dificuldade de
encarar o drama como texto, como indicações cênicas, como notações teatrais.
Segundo a autora, são essas estratégias, próprias do drama, de máxima elisão do
autor, capazes de intrigar a percepção de um mundo fictício construído pela
linguagem, que tornam o drama uma forma artística extremamente envolvente e
persuasiva.
Muitas são as experiências ao longo da história em que
o drama esteve associado ao ensino. O Padre José Anchieta, por exemplo,
serviu-se de diversas estratégias em seus textos para utilizá-los em favor da
catequese e da sua missão de “educar” os indígenas e os filhos dos colonos. Era
comum que os textos desse padre, através do diálogo entre suas personagens,
abordassem temas relacionados à moral e ao meio de alcançá-la.
Ademais, sabe-se que a lógica dramática que é
mecanicamente reproduzida nos veículos de comunicação de massa, muito embora
possa diferir consideravelmente em virtude de suas técnicas, também é
fundamentalmente drama, obedecendo aos mesmos princípios da psicologia da
percepção e da compreensão das quais se originam todas as técnicas da
comunicação dramática. Para Martim Esslin, em Uma anatomia do drama, através
dos veículos de comunicação de massa, o drama transformou-se em um dos mais
poderosos meios de comunicação entre os seres humanos. Passamos a viver
cercados pela comunicação de massa em todos os países industrializados e, por
isso, deveríamos ser capazes de compreender e analisar seu impacto sobre nós
mesmos – e principalmente sobre nossos filhos. Se assim não for, corremos
riscos consideráveis de sermos escravizados por formas insidiosas e manipulação
subliminar de nossos conscientes.
Todas as considerações feitas acima sobre a estrutura dramática revelam as imensas oportunidades criativas
que esta propõe. O texto dramático apresenta peculiaridades que podem ser
benéficas aos objetivos da educação contemporânea, seja pelo grau de interdisciplinaridade
que pode atingir; seja pela capacidade de situar o leitor de modo mais
assertivo, através do encontro de suas personagens, no contexto a que se
refere, já que apresenta em seu enredo uma história que acontece no momento
presente; seja pela habilidade em, imitando a ação por meio da linguagem, fazer
com que a linguagem desapareça transformada em ação, chegando com isso a quase
substituir a realidade aos olhos do leitor.
A proposta aqui
apresentada parte da familiarização dos estudantes do ensino básico com os
elementos basilares do texto dramático para o uso deste com finalidades
educacionais. A leitura, a análise e a escrita de textos como instrumentos para
os educandos ampliarem a visão sobre o mundo e sobre si.
[1] A ideia de produção contraposta à de aquisição
de conhecimento: a primeira colocando o estudante como sujeito e, a
segunda, numa condição de passividade.
CONTEÚDO
Dramaturgia.
OBJETIVOS GERAIS
1)
Conhecer
o texto dramático;
2)
Utilizar
o texto dramático como instrumento para reflexão;
3)
Diferenciar,
a partir da leitura, textos literários de textos não literários;
4)
Analisar
texto dramático a partir de três elementos;
5)
Utilizar
a forma textual dramática como instrumento para expressão, reflexão, produção
de pensamento.
HABILIDADES
O método processual
da proposta deve propiciar aos estudantes a aquisição de diferentes habilidades
nas quatro etapas apontadas. Os educandos devem, ao final do estudo, ser
capazes de diferenciar textos literários de não literários, identificar e ler
textos dramáticos, analisar textos dramáticos a partir de três elementos
(personagem, ação dramática e conflito), criar textos utilizando a forma
dramática.
ETAPAS
I)
Introdução
ao texto dramático
Os índices brasileiros de repetência nas séries
iniciais estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a
ler e a escrever. Não por acaso, a alfabetização tem sido há alguns anos um dos
principais focos da educação básica. Se a dificuldade em ler, interpretar e
escrever textos é crítica quando se trata daqueles que comumente são vistos nas
aulas (textos narrativos), o problema se agrava quando se trata do texto
dramático. Não existe uma prática satisfatória no que tange ao estudo do texto
para teatro na realidade da escola pública brasileira. Isso se dá,
principalmente, em função de um distanciamento por parte dos professores em
relação à literatura dramática.
Se deseja-se que o
texto dramático funcione como um instrumento para acesso ao mundo e suas
questões, o primeiro passo deve ser apresentar ao estudante do ensino básico
como é formado tal objeto e, para isso, faz-se necessário diferenciá-lo dos
demais textos literários. Esta primeira etapa tem como objetivo: apresentar aos
educandos o texto dramático, partindo da diferenciação entre textos literários
e não literários.
AULA 1:
O que são textos
literários? Nesta etapa, é importante que se trabalhe a ideia de intenção. Num texto literário, algo está
sendo contado e isso envolve sentimentos, emoções, propósitos.ATIVIDADES
1)
Leitura
do professor da receita de um prato e da bula de um remédio conhecidos dos estudantes.
Questões aos educandos: quais sentimentos, emoções, propósitos presentes na
leitura?
2)
Escolha
de um sentimento para que o professor refaça uma das leituras expressando-o.
Por exemplo: ler a receita de um prato sentindo alegria. Questões aos estudantes: por que essa leitura se torna
engraçada?
É comum que crianças e adolescentes (e por que não
adultos?) não identifiquem como texto (algo escrito, produzido, pensado por um
autor) muitas das expressões que lhes rodeiam. Um exemplo bem claro disso é
quando questiono às minhas turmas de onde elas acreditam que vem a fala das personagens das novelas que
assistem. Começar o trabalho sobre
textos literários a partir de vídeos se
mostrou um bom caminho para que os estudantes experimentassem o texto,
primeiro, da maneira como usualmente experimentam, ou seja, vendo-o a partir do
outro e, depois, tendo-o em suas próprias mãos.
3)
Exibição
de três vídeos: uma contação de história, a declamação de um poema, uma cena.
Questões aos estudantes ao final de cada vídeo: quem conta a história? Há
expressão de algum sentimento, emoção? A história se passa com quem? O que
acontece? Com esta atividade deve ficar claro as diferenças entre o narrador, o
eu lírico e a personagem.
***
Exemplo de vídeos
Contação de história: “A
árvore generosa” de Shel Silverstein contado por Fafá.
Quem conta a história é a narradora; a narradora expressa diferentes
sentimentos quando conta: a alegria da árvore quando encontra o menino; a
preocupação do menino quando deseja coisas que não tem etc.; a história
acontece com a árvore e com o menino; o menino e a árvore são amigos, até que o
menino vai crescendo e se afastando da árvore, pois deseja outras coisas e a
árvore vai dando a ele tudo que pode...
Declamação de um poema:
“Se todo mundo fosse cego” de Fábio Brazza.
Quem conta a história é Fábio; Fábio demonstra dúvida, esperança etc.; a
história se passa com Fábio; Fábio conta que sonhou com um mundo onde todos
eram cegos e as pessoas cuidavam mais umas das outras.
Cena: “O Rato” de Palavra
Cantada.
Quem conta a história são as personagens (Rato, Rata, Lua, Nuvem, Brisa,
Parede); o Rato sente esperança, às vezes decepção etc.; a história acontecem
com as personagens; o Rato quer casar e declara seu amor à Lua, à Nuvem, à
Brisa e à Parede que não podem casar com ele, até que ele conhece a Rata e se
casa.
Recursos didáticos: televisão com entrada usb, pendrive com vídeos (ou dvd, a depender da necessidade / possibilidade).
Avaliação: ao final da aula, conversa com os alunos sobre os vídeos apresentados e suas impressões. É importante que os educandos diferenciem textos literários de textos não literários.
Duração: 100 minutos
AULA 2
Como se lê um texto literário? Este é o momento em que
os estudantes irão tocar nos textos que viram, em aula anterior, nos vídeos!
ATIVIDADES
1) Distribuição dos mesmos textos da aula anterior
entre os educandos (receita, bula, A
árvore generosa, Se todo mundo fosse cego e O Rato). A distribuição será em grupos ou individualmente a
depender da necessidade de cada texto que também poderá se repetir em grupos
diferentes a depender de quantos estudantes tenham a turma.2) Leitura dos textos entre si.
4) Leitura dos textos para toda a turma seguindo
mesma ordem da aula anterior: textos não literários e textos literários.
Questões aos estudantes: o que muda na leitura de um texto literário e de um
não literário? Estimular que os estudantes expressem os sentimentos, emoções,
intenções adequadas à leitura que está sendo feita.
Recursos didáticos: textos - receita de um prato, bula de remédio, texto narrativo, texto lírico e texto dramático.
Avaliação: ao final da aula, conversa com os estudantes sobre as leituras e sentimentos que tiveram ao realizá-la (medo, vergonha etc.). Discutir sobre a diferença entre ler um texto não literário e ler um texto literário.
Duração: 50 minutos.
AULAS 3 e 4
Agora, vamos trabalhar diretamente com o texto
literário. A partir da leitura, o estudante deve se tornar mais íntimo de seu
objeto, por isso, é importante que esta etapa se repita quantas vezes seja
necessário, para que a leitura seja cada vez mais fluida e o sentimento de
vergonha cada vez menos presente.
ATIVIDADES
1)
Escolha
dos estudantes livros da biblioteca (apenas textos literários) para serem lidos
em grupos ou individualmente, a depender da necessidade do texto.
2)
Leitura
entre si dos livros escolhidos.
3)
Aquecimento
corporal / vocal.
4) Leitura individual ou em grupo para restante da turma.
5) Conversa sobre leituras e sugestões.
6) Novas leituras.
Recursos didáticos: textos - narrativo, poema e dramático.
Avaliação: ao final da aula, conversa com os alunos sobre as leituras e sentimentos que tiveram ao realizá-la e se houve alguma mudança nesses sentimentos em relação à aula anterior (menos medo, menos vergonha etc.).
AULAS 5, 6, 7, 8
O trabalho agora é voltado diretamente para o texto
dramático. Nesse momento, as dúvidas sobre as especificidades do drama
aparecem: tem que ler o nome da
personagem? O que é a rubrica? Deve ser lida também? A leitura da rubrica
por um educando designado para isso, a depender do grau de aproximação entre a
turma e o texto dramático, pode auxiliar o estudante que acaba por se tornar
mais confiante quanto ao modo como
deve ler. À medida que estes demonstram mais segurança, a leitura da rubrica
pode ser suprimida.
ATIVIDADES
1)
Distribuição
de uma cena para grupos.
2)
Leitura
do texto em grupo.
3)
Aquecimento
corporal / vocal.
4)
Leituras
para toda a turma.
5)
Conversa
sobre leituras e sugestões.
6) Novas leituras.
Recursos didáticos: texto dramático.
Avaliação: ao final da aula, conversa com os estudantes sobre as leituras e principalmente sobre a função da rubrica.
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